Uruaçu, Goiás, 28 de novembro de 2020.
A mulher antes da princesa
Diana era a capa de uma revista de cortes de cabelo que meu pai tinha no salão. Ela morreu e eu guardei a revista em sinal de respeito. Não queria que ninguém visse suas fotos, parecia errado de algum jeito.
Durante os anos, reportagens, outras revistas, comentários avulsos, séries e filmes me fizeram um retrato de quem era aquela mulher. Um retrato um tanto confuso porque ela tinha tantos rostos quanto eram os olhares sobre ela. Mas era o suficiente para mim, não precisava saber mais.
Preferia inventar sobre os espaços.
Então, eu fui ver a quarta temporada de The Crown amparado apenas nos fiapinhos de memória de uma criança deslumbrada com cabelos e vestidos.
Não fazia ideia de toda aquela jornada, de uma adolescente jogada no meio de uma instituição que nem entendia, tão inexperiente que talvez tenha demorado a aceitar – perceber, ela percebeu cedo – que seu relacionamento só existia no mundo público. Com as portas fechadas, não havia lar. Havia dois estranhos sofrendo e causando sofrimento, atados um ao outro como a um corpo morto do qual não podiam se livrar.
Fui procurar, então, documentários sobre ela. Vi um no qual ela própria narra sua vida, com uma honestidade impactante e um senso de humor corrosivo. Assumir sua vulnerabilidade, ainda mais sendo uma celebridade mundial, exige muita coragem.
Além dos vestidos lindos, dos abraços em pessoas com HIV, dos casos fora do casamento: eu vi uma mulher que havia despertado – e não “se transformado” – a partir de relações humanas complexas, instáveis, sob holofotes, sob calúnias, sob pressões. Uma mulher que, ao ser dilacerada, conseguiu irradiar seu carisma e fazê-lo cada mais potente e irresistível quando a tendência de todos nós é se encolher.
Ao fim, ela era uma mulher que sabia exatamente o alcance de sua influência e o papel que desempenhava de desestabilizar estruturas. O que ela fazia no início sem consciência, no intuito de respeitar os próprios sentimentos, passou a fazer com intenção, objetivo e método.
Acho que esta é uma das coisas que explicam o fascínio que essa mulher exerce: a lição de que ser de propósito aquilo que a gente já é naturalmente é algo que exige coragem, mas que é melhor do que passar uma vida encolhendo-se sobre si mesmo para não ferir as suscetibilidades de uma pessoa ou de uma instituição.
Publicado, originalmente, no instagram @wigvans, em 2020.