sinopse

Em 2002, Filipe e Ricardo, dois adolescentes de temperamentos opostos e que por isso exercem um irresistível fascínio um sobre o outro, tentam se tornar amigos em meio aos muitos traumas que carregam.

Um desses traumas é o assassinato do adolescente Alexandre,  de quinze anos, que marcou a ambos de forma definitiva. Considerado como resultado de uma briga de gangues, o assassinato de Alexandre – e é o que os meninos acabarão por descobrir – se relaciona a uma comunidade religiosa fundada na década de 40 às margens de um rio e nos arredores do povoado que daria origem à cidade de Coralinândia, no interior de Goiás.

A comunidade e seu misterioso líder, de quem nunca se viu o rosto, exerceram grande influência no país por mais de quatro décadas, com uma forte presença midiática impulsionada por um número expressivo de pessoas, incluindo políticos e celebridades, que alegaram ter recebido ali curas e milagres.

Em 1985, uma reportagem escancarou para toda a sociedade que havia algo de errado por trás da imagem de perfeição. Como consequência, todos os seus adeptos, acreditava-se, suicidaram-se em um rio.

A revelação de que nem todos os adeptos da comunidade morreram em 85 e o assassinato de outros  adolescentes em condições semelhantes às do assassinato de Alexandre acabam por atrair a atenção de Rodrigo Vicente, o repórter da matéria que foi o estopim para o suicídio em massa e que agora é dono de sua própria emissora de tv, e da delegada Tatiana Feher, ambos movidos por interesses que vão além da busca por justiça.

O desejo de fazer justiça ao amigo que morreu, no entanto, é a única coisa que move Filipe, Ricardo e um grupo de adolescentes, do qual fazem parte Cássio, Renata, Kika e Chris, além dos temidos Meninos da Estação Abandonada.

Enquanto desbravam os desejos que se intensificam na puberdade e vivem os conflitos que decorrem deles, os adolescentes confrontarão uma rede de segredos sobre a qual a cidade foi construída e que afeta, principalmente, seus pais e suas mães.

O progresso nas investigações, como efeito colateral, fará voltar para eles os olhos do assassino – que está muito mais perto do que eles imaginam, coberto por inúmeros disfarces.

 

 

Quem leu

Escrita sutil e franca
Andrea Dorea, Comunicóloga e Empresária

Wigvan é um escritor raro e Sapatos Brancos é a prova disso.

A escrita sutil e delicada de Wigvan transporta o leitor ao universo dos seus personagens, envolvendo-o no enredo, capturando sua atenção linha após linha, sem que o mesmo consiga perceber o momento exato no qual foi capturado. Ao ler Sapatos Brancos, eu me deparei com uma vontade de saber mais e mais sobre aquela história e seus personagens, perdendo o rumo do tempo, enquanto lia avidamente os capítulos.

Raríssimos autores conseguem enxergar o universo feminino com tanta honestidade e acredito que foi isso o que mais me cativou na escrita de Wigvan, tanto em Sapatos Brancos como nos seus outros livros.  Seu principal diferencial é a sua franqueza ao relatar a vida como ela de fato é, sem filtros e sem poréns.

 

 

A simplicidade e a dureza da escrita
Camilla Rocha

Wigvan vem assim, devagar, simples na escrita, mas com intensidade suficiente para tornar complexo até o mais sutil dos atos.

Em seus textos, tudo importa, tudo tem o seu valor, tudo pesa e nada incomoda mais que o peso.

Cada minúcia precisa ser analisada, pensada e, por fim, completamente descodificada.

O mais interessante do estilo do Wigvan é se deparar com uma literatura que não parece beber de qualquer outra fonte, além da própria dor. 

A vida é retratada de forma pura, sem meias palavras e sem pudores.

Retratada assim como é vivida, internamente, por cada um de nós, que apesar de maquiarmos diariamente nossas impressões, não conseguimos deixar de nos localizar em meio a essa narrativa que expõe tão naturalmente o eu e o outro.

Apesar disso, não existem as palavras certas ou um desfecho romanesco comum. A literatura de Wigvan existe num outro campo, o da realidade oculta, do intocável e do que permanece tanto na cabeça do leitor quanto em seus próximos textos. Cada narrativa traz uma familiaridade que mais parece uma reescrita daquilo que permanece inacabado e que nunca poderá ser completo.

O bonito de Wigvan é a procura que nunca cessa.


Os mil e um pedaços reticentes e infindáveis de nós
Helissa Soares, Doutoranda em Literatura (UFG)
@didosseia.helissa

Como leitora de grandes autores mortos inesgotáveis, é sem culpa que me proponho a redigir algumas linhas sobre um autor vivo também inesgotável.

 

O texto de Wigvan é um leitor assíduo da boa safra da literatura universal. Nos dizeres de Augusto Meyer, um leitor “sensual”. Cúmplice de suas leituras não meramente inocentes, esse leitor transborda a emoção artística, poética e encarna a experiência e as emoções humanas. Um leitor que é texto de dupla face, ou múltiplas faces. Tristeza, solidão, dúvida, alívio, culpa, tão inerentes a nós humanos, podem ser vislumbrados nesse texto e estão tão bem explicitadas e exploradas que logo nos familiarizamos com o que o autor propõe; e a sensação de intimidade torna-se inevitável, levando-nos a crer que já conhecemos quadros das narrativas aqui construídas de antigas e abandonadas memórias vividas ou memórias lidas. Os mil pedaços de alma de Filipe são as mil e uma almas que nos foram doadas, roubadas, contadas, vividas. Cada personagem é uma perspectiva da mesma pessoa que são várias. Cada quadro ilustra o que somos para nós mesmos e como somos incompletos e inacabados para o mundo.

 

Lembrando-nos de Charles Dickens, Virginia Woolf, Edgar Allan Poe, tanto na profundidade das personagens quanto na habilidade impecável de elaborar um texto uno e íntegro com efeitos múltiplos e legítimos, o autor deslinda diante de nossos olhos o humano, que mesmo quando pessoal, é impessoal porque é universal, estando além das categorias que separam e diferenciam as pessoas na Terra. Em Wigvan concluímos: o humano é simplesmente humano.


Sobre "Le farfalle svolazzano sui fiori"
Um leitor anônimo

Wigvan consegue encontrar o equilíbrio entre o lúdico e o visceral, entre o místico e o explícito, entre o trágico e o mágico.

Molière e os sapatos
Danilo Chaves, Ator, Diretor e Dramaturgo - @frutabruta

Molière escreveu uma comédia chamada Les fâcheux [os importunos que eu traduziria hoje como os chatos por ser mais modernoso]. Nessa comédia um sujeito só quer dar uma namoradinha e é impedido por uma legião de chatos um a um. Diz que quando o Rei Luís XIV assistiu a Les fâcheux ele gostou tanto da ideia que comentou com o Molière que faltava um chato. No dia seguinte a peça já foi apresentada com o novo chato importado da cabeça real. Se Molière me conhecesse, haveria na peça um chato cuja única frase seria “Leia Sapatos Brancos”.

Imagine, leitor amigo, um homem que recria uma cidade inteira com todas suas vozes e suas histórias, grandes ou pequenas. Imagine agora que este homem colocou todos nessa cidade envolvidos numa série de assassinatos misteriosos. Imagine que você vai ouvir a voz de cada personagem e viver com cada um suas angústias e suas alegrias. Imagine que a leitura é tão fluida e escorreita que você já é levado desde o primeiro parágrafo. Imagine que tudo pode acontecer nesse romance.

Você, leitor imaginativo, terá imaginado um décimo do prazer e da alegria que é ler Sapatos Brancos. A doçura, a força, a poesia e  a correção você não terá imaginado. Por isso, leia Sapatos Brancos.

Sensibilidade e temas tabus
Marcelo Suehara, Medicina (UFMA)

Terminei Sapatos Brancos e digo que fiquei impactado em diferentes níveis.

A leitura ocorreu a mim da seguinte maneira: sinto que fui me aproximando das personagens e aprendendo a desvendar a história, porque ela é contada de um forma diferente, a narrativa não é exatamente linear, ela vai se encaminhando para um futuro, mas é entrecortada por memórias do passado (às vezes eu voltava para saber em que época me encontrava, mas isso não é nem de longe negativo!).

Eu consigo perceber diferentes camadas na história, a primeira delas é do personagem central que é o Felipe, que consegue abarcar tantas vidas e ser tão representativo num só ser fictício. Tenho certeza que muitas pessoas LGBTQ+ podem se perceber nele, pessoas que carregaram/carregam o sentimento de inadequação e que tentam expressar, cada um a sua maneira, a potência das próprias vidas.

Um outro aspecto que me ressaltou aos olhos foi a sensibilidade em tratar temas considerados tabus, como abusos e violências na infância e o amor entre dois meninos. Outros nuances aos quais me detive são relativos à falsa moral de uma sociedade conservadora e machista. Sociedade essa que abomina a delicadeza de jovens meninos e se presta, incessantemente, à construção de uma masculinidade normativa, e para isso, não se furta em usar métodos ortodoxos, violentos e obscuros para “endireitar” os meninos.

Falando nisso, vejo que um dos mistérios que rondam e interferem na vida da população da cidade é a tal seita ecumênica. Esta, até esse ponto da história, tem um passado nebuloso e parece estar por trás de atos criminosos na cidade. Eu vejo também que as mulheres movem o enredo, a elas são reservados um protagonismo importante, visto que elas sustentam o peso da descaracterização que a sociedade impõe a elas (meu Deus, a Laura é vítima de todos os tipos de comentários maldosos e atacada por todos os lados).

Quanto à escrita, você sabe que eu amo o Wigvan-escritor, nessa história, particularmente, o texto imprime um caráter meio cinematográfico (parece que eu consigo acompanhar as personagens como num filme) e impactante, como na parte em que Felipe se dirige ao vestiário e, simultaneamente, sua mãe consegue ser atingida de igual forma.

A história é complexa, repleta de acontecimentos e com muitos personagens, e então, neste primeiro contato, consegui abstrair pouco sobre eles. Um aspecto ambivalente que eu vejo é o seguinte: a delicadeza do Felipe incomoda e, de certo modo, é ameaçadora aos meninos que estão a sua volta. A mesma sociedade que o considera frágil por ser afeminado, é aquela que teme todas as potencialidades dele. Eu, pelo contrário, vejo que ele consegue ir se fortalecendo e essa escalada chega a um ápice ( o que me faz gritar de emoção).

Dos outros personagens não sei muito bem o que esperar, o Ricardo, para mim, é um pouco dúbio (talvez perfeitinho demais, sabe?) e o Cássio (por mais que eu me solidarize com a sua história) ainda é difícil de me afetuar. Eu queria, realmente, falar mais do Ricardo, mas pelo que li não consegui me aprofundar na mente dele.

O mistério das mortes me deixa tão fascinado e eu fico bem feliz por tudo se passar em território goiano, afinal, muito das nossas vivências se dão por aqui e aprecio um certo regionalismo.

Cápsula da vida
Marco Magoga, Pedagogo e Ativista

Sapatos brancos é aquele tipo de história que atravessa vários temas: tem amor, amizade, companheirismo, mas também tem mágoas, ira, violência. Não é sobre mocinhos e vilões numa narrativa linear; é sobre o que a vida faz da gente e o que a gente consegue fazer da vida. É sobre como a realidade é a trama mais complexa que podemos tecer. Wigvan tem o dom de remexer nossos sentimentos, talvez porque seja mestre em encapsular a vida num conjunto de páginas.

Desaprendizado (Sobre "Uma Maria")
Michel Domenech, Letras (Unipampa)

Ler Wigvan é uma forma de desaprendizado.

É ver nossas verdades engessadas em confronto com as chamas de seus textos.

O leitor inevitavelmente sai marcado, seja por um calor que perturba, exigindo movimento, seja pelo afago cálido proveniente da identificação com suas palavras.

Viver deixa marcas, assim como a boa literatura.

Pode-se sufocar todos os sorrisos a fim de retardar as rugas faciais, mas também é possível deixar-se tocar e orgulhar-se das marcas de uma existência rica.

A literatura de Wigvan nos convida a trilhar este segundo caminho, a sujar as mãos de vida ao invés de preservá-las limpas e inutilizadas dentro de nossos bolsos.

Os textos de “Uma Maria” são curtos em número de páginas, mas amplos em conteúdo. Wigvan não necessita de muitas linhas, pois enche os pequenos espaços de beleza e significado.

Seu texto é marcado pela dor, pela esperança e pela reinvenção. Não é à toa que a palavra nascimento aparece com bastante frequência. O sofrimento nem sempre é o fim do caminho, às vezes é possível se recriar. Wigvan o mostra, sobretudo, por meio da delicadeza. Como podemos ler em certo trecho: direito à invenção e à delicadeza. Sua escrita, além de bela, é avessa ao embrutecimento, instigando o leitor a deixar sua alma à solta. Michel Domenech

 

Em apresentação ao conto "A respeito de Cecília"
Pedro Henrique Labaig

Wigvan é um privilégio para quem sabe reconhecer o autêntico quando o vê. Se a vida pudesse ser inteiramente velada e escancarada numa só palavra, tal façanha seria facilmente sua. Foi essa ambivalência que me levou a convidá-lo para ser a pena da vez, a primeira, frente a quadro ambíguo, sem saber que ele, Wigvan que é, já tinha me convidado para ser o pincel da sua palavra.

A infância sem banalidade
Thales H. Pimenta, Jornalista e Produtor Musical, Mestre em Comunicação

É curioso. Um filósofo neerlandês dizia que quando Pedro fala sobre Paulo, a gente sabe mais do primeiro que do segundo. Mas no texto de Wigvan isso não procede porque o narrador é atravessado pela experiência dos outros de tal forma que a gente se desloca entre perspectivas: ora dele, ora dos outros personagens, ora de um eu oculto que vaga pelo universo da narrativa de uma maneira quase niilista, como se não se sujeitasse às lógicas microcósmicas – mas não por isso superficiais.

Então, a cada parágrafo eu sinto que vou sabendo muito menos sobre o menino dessa cidade e parece que ele se torna uma espécie de espírito da própria rua, que vaga por ela recolhendo as memórias e as experiências dos seus moradores de forma silenciosa e oculta. De repente, a banalidade com a qual toda infância costuma ser tratada se desfaz completamente. E o menino, que a tudo olha quase pelo rés-do-chão como qualquer outra criança, vai se tornando ponto de transição entre as perspectivas. É ele quem amarra os sentidos

Sobre "Cheiro de Tinta"
Vivian Thomaz

Wigvan,

tudo o que eu vou te dizer agora é de uma sinceridade profunda. Em nenhum momento eu tentei amenizar as palavras ou enfeitar pra te fazer sentir melhor. São palavras honestas. Eu adoro o jeito que você escreve. Amo a maneira como você transforma tudo em poesia. Inclusive, eu sinto que o seu conto (principalmente a introdução) seria facilmente transformado em poema. Gosto das frases curtas do primeiro parágrafo, gosto da poesia naturalmente impregnada em cada palavra. Gosto de como você sempre caracteriza as coisas um jeito espaçado. Você deixa a sensação de que não tem dificuldade pra escrever.

Acho lindo a maneira com que você pega palavras simples e dá sentidos complexos, como você reorganiza as ideias de um jeito que quem lê tudo num fôlego só, precisa parar e pensar “opa, acho que essa palavra aqui não quer dizer isso, não, deixa eu ler de novo.” “Uma das mulheres, por exemplo, uma noite sentiu que ele foi tão forte que: puff! Explodiu seu coração. Por isso ela não tinha o seio esquerdo e amargura de não poder sentir o coração pulando quando ganhava um beijo.” Eu não preciso dizer que isso acabou comigo, né? Li, sem mentira nenhuma, 15 vezes. Guardei no coração.

Meu doeu profundamente os relatos de racismo. Parei de ler várias vezes, quando eu voltava tinha mais, parava de novo, até achar que já dava pra continuar. Continuava e mais racismo, mais misoginia e um incômodo sem fim. É incrível como esse conto tem a inocência de uma criança, mas ao mesmo tempo tudo é relatado com tanta sinceridade e tanta honestidade que chega a ser cômico e duramente ácido em algumas partes. Não sei dizer como e nem onde, mas tem malícia. E eu consigo imaginar, tranquilamente, uma criança narrando tudo isso, sem pausas bem feitas, sem saber direito como conduzir uma história, contando no calor do momento, soltando tudo de uma vez. E eu acho que muito dessa impressão se dá pela ausência de indicadores da fala, sabe? Mas eu gostei pra caralho disso!

É tudo muito natural, mas de uma profundidade amarga e assustadora. Chorei e não foi pouco. Chorei e não foi só uma vez. Chorei na primeira vez que li e nas outras quatro vezes que se seguiram. Eu não esperava pelo final, não esperava pelo desenrolar, não esperava por nada. Achei incrível a progressão do texto, a forma como você traz uma introdução reflexiva e atemporal, mas vai contando a história de um jeito pequeno e despretensioso, até se tornar uma coisa grande e explosiva.

A leitura é corrida porque o texto é fluido e estrategicamente bem construído. Mas ao mesmo tempo o sentido é difícil, é duro, é horrível. Fiquei mexida, com um aperto no peito que não passou com facilidade. Demorei pra me recuperar. Não é fácil ler algo que te corta, te abre e te expõe. Não é fácil ficar indiferente quando você se vê em cada linha, em cada agressão, quando você reconhece os personagens e as situações. Porque você sabe qual é o sentimento, sabe como dói, como machuca.

Não sei direito como explicar, mas ao mesmo tempo que o seu estilo é simples, tem algo de tão, mas tão, tão forte que simplesmente me quebrou. De verdade, Wigvan. É contrastante ver o texto corrido, mas cheio de significados duros. A inocência da criança me aqueceu e divertiu, só que ver e ir além: enxergar a Célia, me sufocou.

O seu texto me chutou as costelas e me socou o estômago. Me invadiu, me rasgou, me atravessou. Me fez lembrar do passado. Não posso dizer “ai que lindo!”- porque de lindo, ele não tem nada. Tem um gosto ácido. Aflição, angústia, ansiedade, sofrimento… tudo. E ânsia. Ânsia.

Você mexe com as pessoas, Wigvan.

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